História do grande Alexandre. Século XV.
O período de compreende a Idade Média vai da que queda do Império Romano do Ocidente (Roma, em 476 d.C.) à tomada do Império Romano do Oriente (Constantinopla, em 1453 d.C.). Foram dez séculos marcados pela exploração do trabalho servil, pelo teocentrismo e pelo desenvolvimento da classe burguesa.
Para o historiador italiano Massimo Montanari, especialista em história da alimentação medieval, a comida era a primeira oportunidade para as camadas dominantes da sociedade manifestarem sua superioridade. Em uma época de grande crescimento demográfico por todos os países da Europa, ter comida em abundância era uma situação de privilégio.
• Alimentação da nobreza
Livro de Caça. Iluminura do início do século XV.
A refeição era feita sem garfos. As aves eram desossadas
com as mãos e cortadas com o auxílio de uma pinça.
De início, o soberano medieval era um homem que deveria, obrigatoriamente, comer muito. Uma narrativa do século IX conta que o duque Guido di Spoleto foi rejeitado como rei dos francos porque se contentava com uma refeição modesta.
Nos brasões das famílias nobres predominavam animais carnívoros como o leão, o urso e o lobo. Durante a Idade Média, a carne caracterizou-se como alimento típico do homem (isto é, das camadas abastadas da sociedade). Comer carne significa matar animais e simular as práticas da guerra: é a ela que o nobre caçador deve sua força e o comando.
Com o passar do tempo, na Baixa Idade Média, comer muito passou a ser um direito adquirido por via hereditária, mas não necessariamente uma obrigação. A mesa medieval assumia um caráter aritmético, onde mais comida significa maior posição social. Em 1344, Pedro IV de Aragão escreve que "Uma vez que, no serviço, é justo que algumas pessoas sejam honradas mais que outras, de acordo com a condição de seu estado, queremos que em nossa travessa seja colocada comida para oito pessoas." Comida para seis era servida para príncipes, arcebispos e bispos; para quatro, outros prelados e cavalheiros que se sentassem à mesa do rei.
Carne, ovos, queijo, pão de trigo e vinho são essenciais à mesa da nobreza. Os peixes eram reservados para os dias de penitência religiosa. Frutas e legumes eram raros, e os médicos recomendavam que seu consumo fosse restrito. O único doce era o mel, produto de luxo de origem muçulmana.
• Alimentação do clero
As doações post obitum (isto é, após a morte), o dízimo e as esmolas provenientes de todas as camadas sociais constituíam a base da propriedade da igreja. Com estes recursos, os religiosos integravam uma poderosa elite.
O gosto pelos pratos abundantes e o apego material eram duramente criticados. "O cavaleiro se torna monge e de pobre fica rico", ironiza um cônego francês em 1080.
Durante a quaresma, os monges se reuniam para uma refeição em dias de trabalho e para duas em dias de festa. O almoço acontecia por volta do meio dia e era constituído por dois pratos quentes (uma sopa e um guisado, ambos de legumes).
• Alimentação do camponês
Tacuinum sanitatis. Sul da Alemanha, século XV.
Poucas pessoas à mesa, sobre a qual estão o pão e o vinho.
Os utensílios são de ferro e madeira.
Reconstituir os hábitos alimentares dos camponeses é um tarefa difícil, uma vez que não existem relatos diretos. Como o direito à caça e à exploração de terras era cada vez mais exclusivo dos senhores feudais, a carne aos poucos desaparece da mesa camponesa e o cereal passa a ser seu principal componente.
Em 1268, em Beaumont-le-Roger (França), a ração de um casal sujeito à corveia - pagamento através de trabalhos realizados nas terras senhoriais - era de dois pães pequenos (cerca de 2 kg), um galão de vinho (4 litros), meia libra de carne (200 g) ou ovos e um alqueire de ervilhas (cerca de 13 litros). Para muitos, se beneficiar com o alimento oferecido pelo senhor era um privilégio.
Em raras ocasiões, como as grandes festas litúrgicas, os camponeses melhoravam suas refeições para compensar os dias de penitência. Outro tipo de situação eram os banquetes funerários. Após a cerimônia, familiares e membros do clero que a ela haviam assistido se reuniam na casa do falecido para uma refeição que simbolizava a coesão da comunidade após a partida de um de seus membros. Em 1193, um camponês destinou dois porcos, dois carneiros, um tonel de vinho e uma parte de seu trigo e milho para a realização de seu banquete.
• A mesa medieval
De acordo com um ditado medieval, a família camponesa definia sua identidade através da mesa: Vivere a uno pane e a uno vino (Viver como um só pão e um só vinho). Analogamente, o banquete real era um instrumento de união ao redor do chefe.
Os lugares, entretanto, nunca eram escolhidos ao acaso. Ser colocado em uma posição considerada inferior era motivo de protesto. Segundo uma novela do século XV, ao apresentar-se modestamente vestido como poeta, Dante Alighieri não foi reconhecido pela corte e foi acomodado na extremidade da mesa. Ao retornar bem vestido, foi bem colocado e não hesitou em satirizar o acontecimento, lambuzando propositadamente suas roupas com a comida servida.
A mesa medieval era retangular - forma mais adequada para definir distâncias e relações. Em dias comuns, os pratos eram de cerâmica, cobre ou madeira nobre, assim como os talheres e outros utensílios. A louça feita em metais preciosos era guardada para os grandes banquetes.
Nos séculos XII e XIII surgiram os primeiros manuais de boas maneiras para ensinar aos pequenos nobres como se comportar à mesa. Exclusivamente voltados à nobreza, todos eles retratam o camponês como alguém rude que não conhece as regras.
• Ideal estético
A arte, da Antiguidade ao Renascimento, e as expressões linguísticas medievais indicam que o ideal estético era representado pelo corpo robusto, considerado sinal de beleza, riqueza e bem-estar. A rica burguesia de Florença (Itália), por exemplo, definia a si mesma como "povo gordo" para celebrar seu triunfo político e econômico. O jejum e a cultura da magreza só eram aceitos em caso de penitência religiosa ou quando a intenção era granjear a santidade.
• Fome na Idade Média
Durante a Idade Média, as doenças carenciais - como a diarreia crônica por falta de minerais - são a segunda moléstia mais letal, perdendo apenas para as infecções.
Fome, epidemia e guerra: os três flagelos contra os quais se pedia a proteção divina. Mas o medo da fome não era uma característica exclusiva da Idade Média. Vencer as dificuldades impostas pelo tempo e pelo espaço para obter variedade e abundância sobre a mesa sempre foi uma obsessão do homem.
Atualmente, a função básica do alimento - saciar a fome - passou para segundo plano em detrimento do que o consumo daquele determinado alimento significa. Exemplo disso, como aponta Montanari, é o café: embora seja uma bebida estimulante, está associado à pausa entre dois períodos de trabalho. Na Idade Média, pelo contrário, o que importava era a quantidade.
• Curiosidades
- A cor do pão, alimento central da dieta camponesa, era indicador de condição social: enquanto os nobres comiam pão branco, feito de trigo, os camponeses comiam pães de cevada, centeio e outros grãos misturados.
- As especiarias pelas quais os europeus atravessaram oceanos durante as Grandes Navegações dos séculos XV e XVI eram, na verdade, produtos terapêuticos. Em 1607, Le Thresor de Santé (O Tesouro da Saúde) enumera as propriedades da pimenta-do-reino: mantém a saúde, conforta o estômago, cura calafrios de febres intermitentes e aborta os fetos mortos.
- Na Idade Média, a digestão era entendida como um processo de cozimento, onde o calor animal atua como principal responsável pela degradação dos outros alimentos. As carnes, portanto, eram temperadas com especiarias e ervas aromáticas que facilitariam a sua absorção.
História da alimentação, Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari
Comida como cultura, Massimo Montanari
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