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Malária



Uma das 36 imagens da exposição Malaria: Blood, Sweat and Tears,
do fotógrafo Adam Nadel.

A malária é uma doença infecciosa originária do continente africano. O termo malária faz referência ao mal ar, aos miasmas do pântano que os antigos acreditavam ser a causa da contaminação. Existem relatos datados de 1700 a.C. na China e de 1570 a.C. no Egito que descrevem casos com sintomas característicos da malária - acredita-se, inclusive, que tenha sido ela a causadora da morte do jovem faraó Tutankhamon (1341-1323 a.C.). O grego Hipócrates, pai da medicina, foi o primeiro a falar sobre a febre dos pântanos ou febre do Nilo.

O Exército americano perdeu a Guerra do Vietnã
para a malária, e não para os vietnamitas.
Marcos Boulos, infectologista

A malária foi um fator decisivo na queda de grandes impérios e também em conflitos como a Guerra de Secessão (1861-1865) dos Estados Unidos, onde dois terços dos combatentes morreram de malária. O mesmo aconteceu na Guerra do Vietnã (1959-1975), que, graças à morte de muitos soldados norte-americanos que nunca haviam entrado em contato com a doença, reacendeu as pesquisas abandonadas desde a Segunda Guerra Mundial (1393-1945).

• Causas: agente etiológico


Número de casos e óbitos por malária no estado
de São Paulo de 1990 a 2003. 

A malária é causada por protozoários unicelulares do gênero Plasmodium, classe Sporozoa (produtores de esporos). Podem ser eles Plasmodium malariae, Plasmodium vivax, Plasmodium falciparum e Plasmodium ovale. O médico francês Charles Alphonse Laveran foi o primeiro a verificar a presença do parasito em sangue humano, em 1880, na Argélia. 

Exceto pelo P. ovale, que ocorre apenas em países africanos, as outras três espécies são de grande importância brasileira. O Brasil é o maior responsável por todos os casos relatados nas Américas, sendo que 99% das ocorrências nacionais acontecem na Amazônia Legal (que compreende os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rondônia, Roraima e Tocantins).

• Transmissão: o vetor



Anopheles antes e depois do repasto sanguíneo.

A transmissão da malária acontece através da picada de mosquitos do gênero Anopheles contaminados com Plasmodium. Em 1897, o médico britânico Ronald Ross recebeu o prêmio Nobel de Medicina pela descoberta do parasito no trato gastrointestinal do mosquito, elucidando-se assim o mecanismo de transmissão da doença. No Brasil, algumas das principais espécies são o Anopheles darlingi, Anopheles albitarsis e Anopheles deanorum

O Anopheles é popularmente conhecido como mosquito-prego devido à posição em que se mantém pousado nas paredes e também durante o hematofagismo (picada). De hábitos noturnos, orienta-se pelo som da respiração e pelo movimento dos pulmões para localizar o hospedeiro vertebrado.
Esses mosquitos, entretanto, não nascem hematófagos. A necessidade de sugar sangue surge após a primeira cópula, quando o macho morre e a fêmea precisa sair em busca de aminoácidos e outros componentes para maturar seus ovos - componentes esses encontrados no sangue de mamíferos. A fêmea do mosquito, portanto, é o único vetor da doença.

• Outras formas de transmissão

A transmissão natural da malária corresponde à picada do Anopheles contaminado, mas existe um menor número de casos que acontecem por transmissão induzida: transfusão sanguínea, transmissão congênita na hora do parto, compartilhamento de agulhas e seringas contaminadas, infecção hospitalar e acidentes de trabalho para profissionais da saúde.

• Ciclo biológico da malária

Ao sugar o sangue do homem, o mosquito infectado libera saliva com substâncias anestésicas e anticoagulantes. Sua probóscida (ferrão) é comprida e alcança os vasos situados logo abaixo da pele, levando para a corrente sanguínea a saliva contaminada com Plasmodium em sua forma infectante, chamada esporozoíta. Reconhecendo no sangue um ambiente propício, os esporozoítas iniciam a esquizogonia hepática, um processo de reprodução assexuada (ou seja, sem formação de gametas) para invadir as células sanguíneas.
O processo de invasão das hemácias, entretanto, acontece de maneira diferente ao que seria possível em outras células. As hemácias são células anucleadas com a função de transportar oxigênio e que, portanto, não são capazes de formar vacúolos para englobar partículas do meio externo. Para chegar ao seu meio interno, os esporozoítas realizam um processo semelhante ao da pinocitose. O protozoário possui o chamado complexo apical, constituído por glândulas e vesículas adesivas que adere à parede da hemácia e a empurra até ser envolvido por ela.


Exflagelações do gametócito masculino (microgametócito).

Da esquizogonia hepática surge o parasito em sua forma colonizadora, chamada merozoíta. Cada esporozoíta tem capacidade de gerar entre 10 mil e 30 mil merozoítas.
Após algumas repetições desse ciclo, onde os merozoítas rompem as hemácias e saem para infectar outras, alguns atingem o estágio sexuado de reprodução e passam a produzir gametócitos masculinos e femininos, que são os responsáveis pela contaminação do mosquito Anopheles.
No tubo digestório do mosquito, os gametócitos masculinos sofrem exflagelações (criam flagelos para locomoção) e procuram pelos gametócitos femininos para fazer a fecundação. Da fecundação (esporogonia) surge o zigoto, que evolui para oocineto e passa a produzir esporos, os quais migram para as glândulas salivares do mosquito e vão contaminar outro hospedeiro vertebrado no próximo repasto sanguíneo, reiniciando o ciclo biológico da doença. Para infectar o Anopheles, contudo, é necessário que haja mais de 50 gametócitos por milímetro cúbico de sangue.

• Patogenia

Gametócito de Plasmodium vivax parasitando hemácia.

A principal característica da malária são os chamados acessos maláricos, onde ocorrem suor, calafrios (causados por desequilíbrio eletrolítico, com queda na concentração de sódio e aumento na de potássio), convulsões e febre intermitente de até 42°C com intervalos que variam de acordo com a reação do organismo infectado e da espécie de Plasmodium: para P. malariae (espécie mais branda), os intervalos são de mais ou menos 72 horas; para P. falciparum (espécie mais agressiva), de 36 a 48 horas. Esses acessos estão relacionados ao ciclo sanguíneo do parasito, onde o pico febril acontece quando as hemácias parasitadas se rompem.
Com o rompimento de uma hemácia, a hemoglobina que ela transportava é lançada diretamente na circulação sanguínea, onde assume caráter tóxico. Tentando fazer a limpeza dos vasos através de fagocitose, as células de defesa liberam um pigmento amarelo escuro, chamado pigmento malárico, que altera a função de órgãos como baço, fígado, cérebro e medula óssea e confere um tom amarelado à pele.

Uma grande complicação causada pela malária surge da resposta autoimune do organismo à hemólise, ou seja, ao rompimento das hemácias. Incapaz de reconhecer o problema, o organismo ordena a destruição tanto das células parasitadas quanto das sadias.
Com a consequente diminuição da concentração de glóbulos vermelhos no sangue, desenvolve-se a anemia. A partir disso, a medula óssea entende que precisa produzir mais eritrócitos (hemácias) para suprir a necessidade de todos os órgãos e acaba perdendo gradualmente a capacidade de maturá-los, lançando na corrente sanguínea células jovens, deficientes e mais vulneráveis. Assim como as células maduras que perderam seu formato natural por estarem infestadas de parasitos, as hemácias imaturas não conseguem exercer sua função e entopem os vasos capilares.

Da espoliação parasitária surgem também cansaço, hipoglicemia e anóxia (falta de oxigênio nos tecidos, podendo levar à necrose). Isso por causa do grande consumo de aminoácidos, glicose, oxigênio e vitaminas B e C do Plasmodium.

• Diagnóstico

A sintomatologia não é suficiente para diagnosticar a malária, visto que muitos de seus sintomas são comuns a outras moléstias como meningite e febre tifoide.
O principal método para detecção de parasitos é a gota espessa de punção digital, onde é possível distinguir  alguns dos diferentes tipos de Plasmodium artificialmente coloridos ao microscópio óptico. Embora pouco sensível (detecta até 10 parasitos a cada microlitro de sangue), a gota espessa é um procedimento eficiente, simples e de baixo custo.

• Tratamento e recuperação


A quinina, um pó branco de sabor amargo extraído da quina (arbusto do gênero Cinchona), foi o princípio ativo do primeiro medicamento contra a malária. A partir dela passou a ser produzida a água tônica, que apresenta o mesmo sabor amargo e propriedades fluorescentes. Com a utilização em larga escala, a quinina perdeu eficiência devido à resistência que o protozoário desenvolveu contra o fármaco ao longo dos anos. A partir dela, entretanto, foram criados outros medicamentos como a cloroquinina, que ainda hoje é uma das bases do tratamento para a malária.

Para que seja realmente eficiente, o tratamento precisa ser precoce e capaz de atuar em todas as diferentes fases do parasito. Atualmente, os esquizonticidas teciduais são fundamentais, visto que objetivam a eliminação do Plasmodium antes da invasão hepática. Existem também os esquizonticidas sanguíneos e os gametocitocidas, que procuram destruir o parasito em todos os momentos de seu ciclo eritrocítico.

Mais eficiente do que todos os outros tratamentos, entretanto, é o grupo de fármacos que possuem em sua composição a artemisina, extraída da artemísia (popularmente conhecida como erva de Santa Maria). Apesar disso, a droga é utilizada como último recurso para que o Plasmodium não volte a desenvolver resistência.

Em função da alta toxicidade de alguns dos medicamentos que destroem os protozoários, a nutrição exerce um papel fundamental na recuperação de casos de malária. Em crianças, gestantes e imunodeprimidos, que tendem a desenvolver a doença em sua forma mais grave e estão sujeitos a maiores complicações sem poder receber drogas mais pesadas, a alimentação ajuda a repor nutrientes e eliminar substâncias tóxicas produzidas durante o tratamento.

• Epidemiologia



A malária prevalece em regiões tropicais, subtropicais e temperadas, que possuem condições climáticas favoráveis à reprodução do vetor. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem 90 países endêmicos, sendo que os países africanos correspondem a 90% dos casos mundiais.

Além dos fatores climáticos, existem outros pontos importantes a serem levados em consideração. Um deles é o fato de que o Plasmodium é protozoário que originalmente parasita primatas. A partir do momento em que o homem desequilibra as delicadas relações do ecossistema através do desmatamento, por exemplo, ele com certeza passará a fazer parte de um ciclo que antes era silvestre.
A urbanização precária e a falta de educação são, também, fatores propícios à endemia não apenas de malária, mas também de muitas outras como a doença de Chagas. Antes de incentivar pesquisas para novas drogas, é preciso incentivar o saneamento básico, a melhoria nas condições de habitação e a educação para combate do problema.

Fontes
Parasitologia Humana, David Neves
Parasitologia Humana e Seus Fundamentos Gerais, Benjamin Cimerman e Sérgio Cimerman

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