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Doença de Chagas




A tripanossomíase americana ou doença de Chagas foi descoberta em 1909 pelo médico sanitarista Carlos Chagas, no município de Lassance (MG). O primeiro caso clínico humano descrito foi o da menina Berenice, de apenas dois anos de idade, que apresentava um quadro de febre e edema bipalpebral típico de malária.
Passados cinco anos, Berenice desenvolveu problemas cardíacos e, ao fim da vida, apresentou alterações neurológicas. Ela morreu aos 75 anos de idade e, ao que tudo indica, sua causa mortis não pode ser atribuída à doença.

• Agente etiológico e vetor


Da esquerda para a direita: Triatoma infestans, Triatoma megista, Triatoma geniculata e Triatoma rubrofasciata.

O agente etiológico da doença de Chagas é o Trypanosoma cruzi, um protozoário encontrado no intestino de diversas espécies de triatomíneos, insetos popularmente conhecidos como barbeiro, chupão, bicudo ou fincão. Entre as espécies de triatomíneos que são os principais vetores da doença de Chagas no Brasil estão o Triatoma infestans e outros dos gêneros Panstrongylus e Rhodnius.

• Ciclo evolutivo do Trypanosoma cruzi


Na seta: forma infectante (tripomastigota) presente
em sangue humano.

- O triatomíneo suga sangue de mamíferos, entre eles o homem, infectados com o protozoário em sua fase tripomastigota (forma flagelada).

- No intestino do barbeiro, o protozoário reconhece o organismo e encurta seu flagelo, transformando-se em epimastigota. Ocorre divisão binária até a eliminação do protozoário pelas fezes do barbeiro. Após ser eliminado, o protozoário assume forma alongada e passa a ser um tripomastigota metacíclico.

- O barbeiro sente fome novamente e procura outro mamífero para realizar a hematofagia. Ao picar o homem, defeca sobre a sua pele. A coceira provocada pela saliva cria pequenas fissuras no tecido que facilitam a entrada do protozoário tripomastigota metacíclico.

-  O Trypanosoma cruzi é fagocitado pelo macrófago, grande célula de defesa presente no sangue e nos tecidos do homem. O macrófago forma em seu interior um vacúolo, engloba o parasita e secreta lisossomas (organelas digestivas) para destruí-lo. Com isso, a estrutura alongada se transforma em amastigota e neutraliza a ação dos lisossomas, colonizando o citoplasma do macrófago através de divisões binárias.

- A membrana plasmática do macrófago se rompe e a célula se desfaz, liberando na circulação sanguínea as formas amastigotas transformadas em tripomastigotas (forma infectante). As formas tripomastigotas se multiplicam livremente, e alguns macrófagos conseguem destruir o invasor e levar ao sistema monocítico fagocitário (SMF) informações necessárias para a produção de anticorpos pelo organismo.

- Vulneráveis à ação dos anticorpos, as formas tripomastigotas entram em período de latência e, para isso, assumem a forma amastigota. O período de latência pode durar até 30 anos e, após isso, o protozoário rompe o macrófago onde estava alojado e cai na circulação sanguínea com sua parede celular alterada, impedindo o reconhecimento pelo sistema imunológico. Nessa fase, o protozoário adquire tropismo (preferência) por fibras musculares e repete o processo de colonização.

• Mecanismos de transmissão


Barbeiros realizando hematofagia: vê-se um exemplar adulto na testa da criança e uma ninfa no antebraço.

- Natural: ocorre através da picada do barbeiro infectado pelo protozoário. A transmissão não ocorre através da saliva do barbeiro, mas unicamente de suas fezes. Quando o barbeiro defeca, não é necessário que haja uma fissura na pele do mamífero picado, visto que existe a possibilidade de entrada do parasita pelo folículo piloso.

- Transfusão de sangue e transplantes: estima-se que 2 a 5% dos doadores de sangue e órgãos no Brasil são chagásicos.

- Congênita: 0,5 a 3,5% dos casos de doença de Chagas no Brasil ocorrem por transmissão transplacentária. Geralmente, o feto sofre aborto espontâneo e os recém-nascidos vão a óbito.

- Oral: ocorre através de alimentos contaminados tanto pelo protozoário quanto pelo inseto parasitado. O congelamento não mata o Trypanosoma cruzi, sendo necessário realizar a pasteurização (aquecimento rápido a altas temperaturas). O caldo de cana e o açaí na tigela são grandes fontes de contaminação, uma vez que podem abrigar fragmentos do barbeiro triturado durante o preparo.

- Sexual: forma de transmissão não comprovada, embora o protozoário esteja presente no sangue menstrual e no sêmen de mulheres e homens infectados.

• Patogenia


Edema bipalpebral

A fase aguda da doença de Chagas corresponde aos primeiros sintomas, que desaparecem no período de latência. Os sintomas característicos dessa fase são o chagoma de inoculação (reação inflamatória à picada do barbeiro) e, especialmente em crianças, o sinal de Romanã (edema, ou seja, inchaço nas pálpebras superior e inferior). A invasão neurológica não é comprovada.


Cardiopatia chagásica: cardiomegalia com atrofia de todas as cavidades. O paciente apresentava hipotensão  e arritmia.


Radiografia do tórax mostrando cardiomegalia por aumento das câmaras esquerdas.

A cronificação da doença é caracterizada pela cardiopatia chagásica, onde o organismo apresenta reação autoimune. Na cardiopatia chagásica, os anticorpos não conseguem identificar o parasita presente nas fibras musculares cardíacas e passam a destruí-la porque recebem a informação de que são elas a causa do problema. O coração, por sua vez, precisa continuar batendo e, como resposta à agressão, aumenta seu tônus muscular. As consequências desse processo são cardiomegalia (aumento anormal do coração), arritmia e má distribuição do sangue pelo corpo.


Cortes transversais de diferentes graus de megaesôfago. No canto inferior, à esquerda, está um esôfago com dilatação normal.

Além da cardiopatia chagásica, são comuns os chamados megas: megaesôfago (aumento anormal do esôfago) e megacólon (aumento anormal do intestino grosso). Em ambos os casos, a destruição das fibras musculares lisas causa obstrução do interior oco desses órgãos, sendo necessária a remoção da porção obstruída. Por falta de movimentos peristálticos, ocorrem soluço e regurgitação - inclusive de fezes.

Fontes
Parasitologia Humana, David Pereira Neves. 11ª edição.

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