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Desalento

de Manuel Bandeira
.

Uma pesada, rude canseira
Toma-me todo. Por mal de mim,
Ela me é cara... De tal maneira,
Que às vezes gosto que seja assim...

É bem verdade que me tortura
Mais do que as dores que já conheço.
E em tais momentos se me afigura
Que estou morrendo... que desfaleço...

Lembrança amarga do meu passado...
Como ela punge! Como ela dói!
Porque hoje o vejo mais desolado,
Mais desgraçado do que ele foi...

Tédios e penas cuja memória
Me era mais leve que a cinza leve,
Pesam-me agora... contam-me a história
Do que a minh' alma quis e não teve...

O ermo infinito do meu desejo
Alonga, amplia cada pesar...
Pesar doentio... Tudo o que vejo
Tem uma tinta crepuscular...

Faço em segredo canções mais tristes
e mais ingênuas que as de Fortúnio;
Canções ingênuas que nunca ouvistes;
Volúpia obscura deste infortúnio...

Às vezes volvo, por esquecê-la,
A vista súplice em derredor.
Mas tenho medo de que sem ela
A desventura seja maior...

Sem pensamentos e sem cuidados,
Minh' alma tímida e pervertida,
Queda-se de olhos desencantados
Para o sagrado labor da vida...

Fontes
Manuel Bandeira - Antologia Poética (A Cinza das Horas)
We Heart It

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